Regulação dos Criptoativos no Brasil: Panorama da Lei 14.478/2022, Decreto 11.563/2023 e Consultas Públicas 109, 110 e 111 do Banco Central
- Eliza Sabino
- 1 day ago
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A crescente utilização de ativos virtuais no Brasil exigiu do legislador e dos reguladores um esforço de sistematização normativa capaz de oferecer segurança jurídica sem inibir a inovação tecnológica. Nesse contexto, a Lei nº 14.478/2022 e o Decreto nº 11.563/2023 estabeleceram o marco legal dos criptoativos, delimitando as competências do Banco Central do Brasil (BCB) e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e inaugurando um novo ciclo regulatório.
Em complemento, o BCB publicou, em 2024, as Consultas Públicas 109, 110 e 111, que detalham aspectos cruciais da regulação, especialmente em matéria de autorização, requisitos prudenciais, prevenção à lavagem de dinheiro, uso de stablecoins e operações cambiais.
Este artigo apresenta um panorama integrado dessas normas e consultas, destacando pontos de atenção práticos para prestadoras de serviços de ativos virtuais (PSAVs), instituições financeiras e operadores do mercado de pagamentos.

O Marco Legal: Lei nº 14.478/2022 e Decreto nº 11.563/2023
Definição de Ativo Virtual
A Lei nº 14.478/2022 define ativo virtual como a representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para realização de pagamentos ou com propósitos de investimento. Estão excluídos da definição: moedas soberanas, pontos de programas de fidelidade e ativos financeiros já regulados.
Papel do Banco Central e da CVM
O Decreto nº 11.563/2023 designou o Banco Central como autoridade competente para autorizar e supervisionar PSAVs cujas atividades não configurem valores mobiliários. A CVM, por sua vez, mantém a competência sobre tokens que assumam função de valor mobiliário, aplicando-se o critério da realidade econômica da operação (Parecer de Orientação CVM nº 40/2022).
Assim, a supervisão setorial passou a ser compartilhada, mas em bases funcionais:
BCB → PSAVs (exchanges, custodians, brokers, provedores de staking).
CVM → Tokenização de ativos que representem valores mobiliários.
Principais Obrigações Regulatórias das PSAVs
Entre os deveres que já se delineiam, destacam-se:
Autorização prévia do BCB para funcionamento;
Capital mínimo variável conforme a atividade (intermediação, custódia, corretagem, staking);
Requisitos de governança corporativa e idoneidade dos administradores;
Políticas de Prevenção à Lavagem de Dinheiro e Financiamento do Terrorismo (PLD/FT);
Controles de segurança cibernética e proteção de chaves privadas;
Obrigatoriedade de auditoria independente.
O cumprimento dessas obrigações será fiscalizado pelo BCB, com possibilidade de sanções administrativas e até mesmo a revogação da autorização.
Consultas Públicas 109, 110 e 111: os próximos passos regulatórios para os criptoativos
Consulta Pública nº 109/2024 – Autorização e Categorias de Serviços
A minuta da CP 109 estabelece que PSAVs só poderão atuar mediante autorização formal do Banco Central. Foram definidas categorias de serviços que demandam autorização, tais como:
Intermediação de ativos virtuais (exchanges);
Custódia (armazenamento e gestão de chaves privadas);
Corretagem e negociação em plataformas próprias ou de terceiros;
Serviços adicionais, como staking e operações com margem, sujeitos a capital mínimo adicional.
A proposta ainda fixa capital mínimo inicial proporcional ao tipo de atividade, variando de R$ 1 milhão a R$ 3 milhões, acrescido de valores adicionais para determinados serviços.
Consulta Pública nº 110/2024 – Requisitos Prudenciais e Governança
A CP 110 detalha os requisitos prudenciais e de governança que deverão ser atendidos:
Estrutura societária compatível (LTDA ou S/A, com exigência de capital integralizado);
Exigência de administradores com reputação ilibada e experiência técnica;
Plano de negócios detalhado, evidenciando sustentabilidade econômico-financeira;
Adoção de controles internos robustos de compliance e risco;
Auditoria independente periódica, com entrega de relatórios ao BCB.
Tais requisitos alinham a regulação das PSAVs ao padrão já exigido de instituições financeiras, aproximando o setor de um modelo de regulação prudencial bancária.
Consulta Pública nº 111/2024 – Stablecoins e Câmbio Internacional
A CP 111 aborda um dos pontos mais sensíveis: o uso de stablecoins em operações de câmbio. A proposta do BCB busca compatibilizar inovação com segurança do sistema cambial. Entre as medidas, destacam-se:
Exigência de comprovação de origem dos recursos e da contraparte estrangeira;
Proibição de transferências para carteiras autocustodiadas de não residentes;
Restrições ao uso de stablecoins lastreadas em moedas estrangeiras para fins de pagamento em território nacional.
Essas restrições visam mitigar riscos de evasão cambial, lavagem de dinheiro e operações fora do alcance da supervisão nacional.
Impactos Práticos para o Mercado de Criptoativos
O conjunto normativo formado pela Lei nº 14.478/2022, pelo Decreto nº 11.563/2023 e pelas Consultas Públicas:
Eleva o custo regulatório de entrada para novos players, dada a exigência de capital mínimo e governança;
Favorece instituições mais estruturadas, com maior capacidade de compliance e de adequação regulatória;
Reduz lacunas normativas, oferecendo maior previsibilidade para investidores institucionais;
Exige revisão contratual e societária das PSAVs já em operação, sob pena de irregularidade.
O Brasil dá um passo significativo rumo à consolidação de um arcabouço regulatório robusto para criptoativos, equiparando as exigências das PSAVs às impostas ao sistema financeiro tradicional.
Para operadores, gestores e investidores, torna-se imperativo compreender o alcance das normas, mapear riscos e adotar medidas de conformidade. O momento atual é de adequação estratégica, sob pena de inviabilização de modelos de negócio.
A equipe do Porto & Pacca acompanha de perto o desenvolvimento regulatório do setor de criptoativos e do mercado de pagamentos. Se sua empresa atua nesse segmento, entre em contato para um diagnóstico regulatório completo e suporte na adequação ao Banco Central e à CVM.